A Responsabilidade e o Ciclo da Vítima por Isabel Maria Angélica - 28.Dez.2015
28-12-2015 17:24

As nossas vidas são feitas de relações. Relacionamos-nos diariamente com várias pessoas e, com essas relações, sejam de que tipo forem, aprendemos sempre algo sobre nós mesmos/as, isto se usarmos as ditas relações como espelhos de consciência e crescimento.
Contudo, as relações actuais não são, de uma forma geral, saudáveis, se é que alguma vez o foram. E dado que andamos todos a ser chamados ao mote da Responsabilidade, os mais atentos já perceberam que em 2016 esse mote será elevado a uma oitava acima... Mais do que Consciência, ser-nos-á pedia a Vivência da Responsabilidade. Vais nos sendo pedido SÊ O QUE DIZES SER. O iato entre o DIZER e SER será encurtado, com a Vida a devolver-nos ainda mais constante e ferozmente o retorno do que Emanamos, Pensamos, Dizemos e Sentimos. Sim, a Responsabilidade será a Consciência de tudo isso. Mais... A Responsablidade será a Vivência de tudo isso...
Dado que a Vida é muito sábia, tenho sido abençoada por dinâmicas pessoais, familiares e de amizades que me trouxeram aprendizagens ainda mais profundas sobre mim e os outros no que toca à Responsabilidade. Do You Walk the Talk? - perguntou-me a Vida na sua sabedoria dos ciclos e cheia de humor ao longo de 2015...
Então andei (e ando ainda) em estudo sobre esta Roda de Samsara que podemos chamar de o Ciclo da Vítima, onde este personagem que habita em todos nós (mas em alguns tem mesmo o papel principal) tem o mote de Vítima-Agressor-Manipulação-Rancor. E acreditem, se observarem as vossas vidas e a vida daqueles que vos rodeiam vão perceber o quanto este Ciclo está instalado e a funcionar com muita eficiência.
Primeiro - a Vítima!
A Vítima manifesta-se com autopiedade, incapacidade para fazer seja o que for, prisioneira dos seus medos (muitos deles não reais), castigo, culpa, lamentação, resignação e reclamação. Fisicamente, arrasta-se pelos cantos da casa, faz de tudo para ser o centro das atenções, torna-se uma presença física e energética que incomoda, pois tudo o que faz chama a atenção para si e nem sempre pelos melhores motivos. Queixa-se muito. Mas muito mesmo. Da vida, das doenças, da cabeça, da saúde, da alegria. Todos estes mecanismos estão tão intricandos na sua personalidade e vida que a Vítima acha normal. Tão normal, tão normal, que os que a rodeiam nem dão conta. As Vítimas procuram ainda, de forma incessante, o Agressor no outro ou na outra para depois se poderem vitimizar ainda mais! Nos seus comportamentos passivo-agressivos, vão procurar que o outro/outra seja o agente para a sua zanga. De tal forma, que a Vítima se transforma no Agressor...
Segundo - o Agressor!
Ah, este Agressor! Sempre à espreita de saltar na jugular de alguém que ousa ser Vítima ou colocar-se a jeito na sua incapacidade emocional... Esse que está sempre em julgamento, na comparação, no ciúme, na inveja... Bichinho verde cheio de raiva, mas que ao mesmo tempo pode ser tão sedutor e aparentemente calmo... O agressor que não assume responsabilidades e responde com um "Tu é que sabes!"... ou um "Faz como sentires!"... Para depois se apresentar em considerações e distribuição de culpas. Ele é tão feroz e subtil que não perde a oportunidade de se manifestar mesmo quando não é chamado. Tem sede de confronto, de tanto querer chamar a atenção. Aliás, é aqui que ele se confunde com a Vítima pois se as coisas não correm a seu favor, apresenta com um discurso defensivo e até às vezes em contra-ataque. Não assume responsabilidades e salta para a Vítima interna, pois se tem ataques de raiva, amuos, silêncios demasiado prolongados (que servem como forma de castigo e nada têm a ver com os silêncios de aprofundamento) é porque de alguma forma considera, dentro da sua mente passiva-agressiva, que foi vitimizado, atacado, humilhado e maltratado.
Chegamos então ao terceiro - a Manipulação!
Numa pesquisa que fiz na internet, e dado que assumidamente não sou psicóloga nem nada que o valha, constatei que intuitivamente já tinha chegado a algumas conclusões sobre o modus operandi da dupla Vítima-Agressor dentro de cada um/a de nós. A lista que aqui apresento consegue reunir muito bem alguns pontos fulcrais de como a Manipulação tem palco e contamina muito rapidamente quem encena o Ciclo da Vítima-Agressor e de quem compactua com isso.
Ora vejamos, como se apresenta a Manipulação da Vítima-Agressor:
– A culpa é sempre dos outros, demitindo-se das suas próprias responsabilidades (culpa! essa grande falácia criada por religiões que a inventaram como forma de alimentar uma matriz de controlo onde o poder pessoal e amor próprio são retirados);
– Na comunicação Manipuladora não se claramente as suas opiniões, sentimentos ou necessidades - o outro deverá decidir, fazer, agir, pensar, pois assim, caso alguma coisa falhe, o ónus não é do que manipula... Depois disso facilmente lhe saltará a Vítima (Isto só me acontece a mim!) ou do Agressor (Eu sabia que ia correr mal");
– Respondem de uma maneira geral de forma muito vaga (a objectividade e assertividade são sinónimos de decisão... decisão é Responsabilidade);
– Emitem opiniões em função das pessoas e situações presentes (muito vulgar no discurso "Eu sou assim, porque fulano me fez assado");
– Duvidam da capacidade dos outros, das suas competências, desvalorizando-as (a Vítima sente ciúmes e inveja do que o outro é capaz e o Agressor detesta perder o primeiro plano);
– Transmitem as mensagens e opiniões através de outra pessoa (dado que a Responsabilidade e Manipulação não são propriamente amigas, a última escuda-se por detrás de alguém ou algo);
– Criam conflitos fictícios para criar confusão, dividir para reinar (muito comum nas famílias e na forma como o pai deixa de falar com a filha porque a tia disse que a filha disse à prima que depois contou à tia, percebem onde quero chegar?);
– Colocam-se sempre no papel vítima para serem objecto de compaixão (e aqui esta é muito ardilosa, pois os "coitadinhos" devem ser alvo de toda a nossa atenção, certo?);
– Não responde à questões essenciais, apesar de dizerem estarem a tratar delas (mais uma vez - não há Responsabilidade);
– Utilizam a ameaça, mesmo quando disfarçada, para chegarem seus objectivos (em casos mais dramáticos, chegam a manipular com ameaças de suicídio... atenção que estou a falar de dinâmicas relacionais e não de casos clínicos ou espirituais graves);
– Mudam frequentemente de assunto quando não lhes interessa (aqui, puxar uma piada ou lágrimas funciona quase sempre);
– Podem ser ciumentos ou invejosos;
– Não suportam as críticas e negam as evidências (pois a culpa é sempre dos outros);
– Não têm em conta os direitos, as necessidades e os desejos dos outros;
– Levam o outro a fazer coisas que provavelmente em circunstâncias normais não o teria feito (quantos casos poderíamos enumerar?)...
E por fim, o Rancor!
Então depois de uma vida inteiro a assumir como protagonista da sua Vida a Vítima-Agressor internos, estas pessoas alimentam-se do Rancor. Torna-se um alimento cancerígeno e contaminador. Essa mágoa profunda, esse ódio velado que fica armazenado durante anos ou décadas que depois se transforma em arma de arremesso para as relações de amor que existem nas suas vidas. Eu conheço pessoas que alimentam rancores de décadas! Eu própria já fui assim e pergunto-me agora - para quê?
Claro que o Rancor é o combustível para as personagens Vítima-Agressor! Não existe nada mais eficiente que feche o Coração, azede os Pensamentos, mine as Acções e afaste os que se ama. Assim, o Rancor alimenta ciclos e ciclos de vidas de forma a que a Vítima-Agressor tenham motivos para nutrirem carinhosamente a sua dependência passivo-agressiva perante a Vida.
A um nível mais pessoal, entendo que é muito fácil enveredarmos por esta via. Contudo, a Responsabilidade não permite a perpetuação de mecanismos que claramente são de uma velha energia. Em termos familiares sou abençoada por ter as experiências que me permitem a transformação celular e emocional de ir limpando os registos de Vítima-Agressor-Manipulação-Rancor. O Caminho da Responsabilidade é o Caminho Iniciático do Poder Pessoal e Amor Próprio. E neste Caminho, onde a Vida me tem perguntado acerca da minha coerência, percebo que apesar de ainda ter resquícios destas facetas, nada como a Consciência para as ir aceitando e trabalhando ao nível profundo e visceral.
A um nível de trabalho, e enquanto orientadora de grupos de trabalho com mulheres e homens, percebo que até entre géneros há diferentes formas de actuação e que se torna visível no que toca aos relacionamentos amorosos e com os filhos/filhas. A mulher assume a postura da Vítima-Agressora que nunca é boa o suficiente para servir o seu homem e família. O homem assume a postura de que se os relacionamentos correm mal é porque a mulher não lhe deu o que ele precisava. Mas estas afirmações são ainda para outro estudo. Agora cinjo-me ao processo da Vítima-Agressor-Manipulação-Rancor.
Como guardiã de Círculos de Mulheres (No Ninho da Serpente), é ainda mais visível este Ciclo da Vítima. Pois por cada mulher Vítima (e mais uma vez reforço que estou a abordar na perspectiva relacional e comportamental, não estou a abordar traumas mais profundos), existe sempre um Agressor interno e que é manifestado nos seus relacionamentos mais próximos. O que a levou até aí é um caminho de estudo que passa por trabalharmos o Poder Pessoal e as feridas do Amor Próprio.
Muitas vezes, nas dinâmicas dos Círculos de Mulheres, apresentam-se estas Vítimas-Agressor. São Mulheres carentes, fazem de tudo para ser o Centro das atenções e chegam mesmo a querer sugar a energia das outras Irmãs sentas em Círculo. Detestam ser confrontadas com a assertividade da Responsabilidade. O Amor também é algo que é confundido com passividade. E quando são chamadas a ocupar o seu lugar no Círculo dizem que estão a ser pressionadas, ou que o Círculo se transformou numa dependência ou criam um outro estratagema qualquer para fugirem de se observarem e assim caminharem para a cura interna do seu Ciclo Vicioso.
No Círculo do qual sou guardiã, as Mulheres são convidadas a um reposicionamento - ou se elevam ou não. Caso optem por não se elevarem, tenho sido alvo, na maioria das vezes, de Vítimas que muitas vezes chamaram pela minha Agressora interna. Muitas vezes essa Agressora apresentou-se para depois logo a seguir dar lugar à Vítima. E hoje consigo assumir uma visão de águia que nos seus voos mais altos me apresenta sempre a pergunta - para quê? Para quê precisas das Vítimas? Para quê precisas das Agressoras?
Só para chegar a este questionamento tem sido um Caminho interno de décadas! Seria muito fácil para mim tornar-me na Vítima-Agressora de forma permanente. A forma como fui educada assim o permitiria. Contudo, escolhi em determinado ponto da minha vida receber a Verdade, custe o que custar... com tudo o que isso implica. E esta Espada fina funciona para mim e para os outros. Questiono-me com frequência e também questiono os demais. As Mulheres, por motivos óbvios, têm sido a minha plataforma de estudo e cura. Mas também com os Homens tenho aprendido as minhas lições de como a Vítima-Agressor já poderia ter agido inúmeras vezes e detonar relações de profundo amor que tenho com os homens da minha Vida. E essas lições ninguém me as tira. São aprendizagens celulares que tenho vivido com pessoas que amo profundamente. Assim, o corpo:alma não se esquece.
A Vida está a pedir-nos reposicionamento. Ponto assente. E a Vida tem-me trazido a possibilidade de facilitar lugares seguros dentro e fora de mim para que outras Mulheres e Homens se apresentem na Verdade do Círculo para a sublimação das feridas e traumas que nos levam a conhecermos as Vítima-Agressor que cada uma de nós carrega. Mas é um Caminho que cada um/a deverá percorrer aceitando o fio de prumo da espada interna da Verdade que nos leva ao mergulho nas cavernas mais escuras de nós mesmas/os. Não há outra forma para que a Responsabilidade seja assumida de forma irrevogável e celular.
Este texto funciona como uma partilha de um estudo que tenho feito com muita atenção e cuidado dentro e fora de mim. Não é de todo uma lição de moral, mas que sirva para que cada um/a se permita a tocar com as palavras e reconhecer internamente os gatilhos de actuação. Para que o palco seja ocupado por Eu's reais e não por Vítima-Agressor que usa a Manipulação e se alimenta do Rancor.
A Vida vivida a partir da observação da Vítima-Agressor é reduzida e redutora. Retira-nos Alegria, Abundância e Amor. Pergunto então - qual a Responsabilidade que queremos Vivenciar daqui para a frente?
Desejo-vos um Bom 2016! Cheio de Responsabilidade ;)
Isabel Maria Angélica
Imagem - Moon Shadow por Frank Howell
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